segunda-feira, 23 de abril de 2007

Por trás da fumaça de um cappuccino

Ela abriu a porta do pequeno café, sentiu o ar quente no rosto e ficou aliviada por ter achado o que para ela parecia um pedacinho de céu: um pequeno chalé antigo de madeira, cadeiras acolchoadas, decoração caseira. Pouca gente, cheirinho de café com chocolate. Era inverno e nevava lá fora. Os dias pareciam melancólicos demais ultimamente... céu cinza, pouca neve e muito vento. E ela havia passado mais uma tarde sozinha. Sentou-se, pediu um cappuccino. Agora, que se sentia isolada de tudo e de todos, poderia pensar nas suas inseguranças. Tinha vergonha delas. Era como se o simpático casal de velhinhos na mesa mais à frente pudesse ouvi-la pensar e percebessem o quanto são bobas suas preocupações. Mas agora estava protegida atrás da fumaça cheirosa do seu cappuccino. E começava a notar que era a única sozinha no pequeno café. Não precisava ser ninguém especial, mas gostaria de ter alguém ali. Alguém que a entendesse às vezes e a fizesse rir seria ótimo. Alguém verdadeiro... Queria amar de novo. Queria que fosse fácil encontrar um bom homem no qual pudesse confiar, se entregar sem vergonha do que realmente é, sem medo do que ele vai pensar... Reparava agora num casal bem jovem que acabara de entrar. Eles riam enquanto tiravam as jaquetas, ele brincava com o cachecol dela. Pareciam um casal de filme, pensou. E aí se deu conta da gravidade do que acabara de pensar. Por que de filme? Não podia aceitar que houvessem casais perfeitos na vida real? Deveria então abrir mão de procurar alguém com quem fosse plenamente feliz? Já havia amado uma vez... chegou até a achar que duraria para sempre. Mas as marcas deixadas ao terminar a relação foram fortes. E as lembranças boas foram se apagando aos poucos e sendo substituídas pela lembrança do rancor que ele agora guardava. Ele sempre foi muito infantil... Por que diabos não tinha percebido isso antes?! Por que não dera ouvidos à sua mãe?! Mas não podia dizer que tinha se arrependido em absoluto, tirara algumas lições do passado. E lembrou-se: o que ficou foi o amor próprio. Ela botou sua felicidade à frente e se orgulhava disso. Pra que ser tão possessivo? Jamais ela teria trocado as amigas por ele. Mesmo quando o amava, a idéia parecia absurda. Terminou o cappuccino, estava de bom humor. O sol apareceu para saudá-la pela janela. Olhou para frente. Na mesa onde sentavam os velhinhos estavam agora os jovens que formavam o “casal de filme”. Mas eles agora brigavam. “Segundos de distração e tudo muda”, pensou. “Quer saber? Tem tempo demais que não vejo minhas amigas por sua causa!” Ouviu a menina falar enquanto levantava, pegava sua jaqueta e ia embora decidida. Esperou uns segundos observando o menino envergonhado, deixado sozinho com a mão na cabeça. Pagou seu cappuccino para ir embora do lugar aconchegante. Sentiu saudades das amigas. Eram lindas, mulheres fortes. Abriu a porta segura de si, teve que fechar os olhos com o forte reflexo do sol na neve. Estava feliz, o clima melancólico havia passado. “Tudo passa”, pensou lembrando do “casal de filme”. Ela se sentia leve, livre de desejos. Segundo os budistas, os desejos nos levam ao sofrimento, e apenas livre de desejos podemos alcançar a felicidade eterna, o nirvana. Não só o cappuccino tinha dado a ela a sensação de que não faltava mais nada, mas pela primeira vez ela tinha parado pra tentar entender a si própria e perceber que estava feliz sozinha. “Voltarei com freqüência àquele café”, pensou.
Havia andado um quarteirão agora, e vira um outro café, moderno e com a parede lateral de vidro, e a menina que havia acabado de brigar com o namorado estava lá dentro, sozinha em um canto. Reparou que seu rosto parecia mais bonito perdido em pensamentos inaudíveis protegidos pela fumaça do seu cappuccino...